UM CLUBE PARA TODOS OS NOMES

Por Claudemir Gomes.

O mestre de bateria, Miro do Samba, é uma dessas figuras populares em extinção no Recife. Luta contra o peso dos anos para se manter fiel aos seus três amores: a família, Nossa Senhora da Conceição (ele nasceu no dia 8 de dezembro, razão pela qual a chama de madrinha) e o Santa Cruz. O homem simples que mora em uma das favelas de Santo Amaro, mesmo desdentado, faz questão de abrir um largo sorriso no dia 3 de fevereiro, quando se comemora o aniversário de fundação de um dos mais populares clubes de futebol do Brasil: o SANTA CRUZ FUTEBOL CLUBE.

A história de paixão e devoção de Miro do Samba se confunde com a de milhões de tricolores, que assim como ele, vivem em bairros pobres, periféricos, com poucas oportunidades de emprego, e inúmeros desafios de sobrevivência. Mas que se realizam através da proeza do seu clube do coração. Assim vive a poeira (apelido dado a torcida do Tricolor do Arruda numa época em que a maioria das ruas dos bairros periféricos do Recife não eram calçadas, nem afastadas, e quando os torcedores comemoravam as vitórias do Clube do Povo levantava poeira).

No início da década de 90, do século passado, João Caixero de Vasconcelos Neto, me convidou para escrever um livro sobre os 80 anos do Santa Cruz. A época, o projeto também contava com os jornalistas, Hélio Pinto e Lenivaldo Aragão. A obra levou 20 anos para ser concluída. Não foram poucos os jornalistas que deram uma contribuição efetiva participando desse "mutirão". No final, a história do "SANTA CRUZ DE CORPO E ALMA", até o centenário, foi concluída por mim (Claudemir Gomes), Lenivaldo Aragão, José Neves Cabral, Humberto Araújo e Deusdeth.

O tempo de espera para ver a obra concluída (20 anos), me levou a conhecer um pouco da alma deste clube, cujo maior patrimônio não é a sede social; nem o Estádio José do Rego Maciel, tampouco o Centro de Formação de Jogadores que está sendo construído em Aldeia. O maior patrimônio do Santinha é a alma do tricolor, imortalizada na música de Sebastião Rosendo.
O amigo Joca (João Caixero de Vasconcelos Neto), quando pegou o seu rico acervo de documentos e fotografias, distribuído em três malas e alguns sacos de plástico, teve a sensibilidade de observar que, todo aquele material mostrava apenas a história do corpo do clube, edificado em pedra e cal. O desafio era mostrar a alma dos homens, o estopim dessa paixão indescritível.

Certa vez, desci as escadas do Diário de Pernambuco, quando a sede era na Praça da Independência, e encontrei Miro do Samba. Já era noite, e minha pauta de reportagem indicava uma cobertura no Palácio das Princesas (Sede do Governo), onde lá estariam o senador, Marco Maciel e outras autoridades e desportistas. No caminho do Diário até o Palácio, Miro foi falando do Santa Cruz. Lá dentro, quando terminou a reunião e me dirigi ao senador para lhe fazer uma pergunta, ele se antecipou: "Como está o Santa Cruz?".

Hoje eu entendo que a alma do torcedor do Santa Cruz independe de classe social. Há 106 anos o Tricolor pertence a poeira e as elites. Enfim, é um clube onde cabe todos os nomes.


Enviar um comentário

0 Comentários