(O texto a seguir está inserido no livro Santa Cruz de Corpo e Alma)
Tricolor por hereditariedade. É como se pode definir o professor aposentado da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Pernambuco e da Escola Politécnica, Ivan Fernandes Silva. A afeição ao Santa Cruz foi herdada do pai, Manoel Fernandes da Silva, sempre presente aos principais momentos do clube, tanto que foi um dos primeiros a adquirir cadeiras cativas (duas), quando o Estádio José do Rego Maciel ainda estava no papel.
Portador da carteira 127 de sócio proprietário, Doutor Ivan, como sempre foi conhecido entre os mais assíduos frequentadores dos jogos e treinos da Cobrinha, tem também seu nome inscrito na relação de sócios patrimoniais, o mesmo acontecendo com uma de suas filhas, Simone Carneiro Leão Fernandes de Almeida. Dono de três cadeiras no Colosso do Arruda,
Ivan Fernandes sempre acompanhou o Santa atentamente. Viu o primeiro treino do paraense Jango, um dos ídolos tricolores de todos os tempos, no campo da Jaqueira, recordando até uma curiosidade surgida em torno do pé do atacante:
– Jango tinha o pé muito pequeno, menor que o de uma garota de quinze anos.
FACÓ NA FACULDADE
Conselheiro desde 1971, participou da vinda do atacante cearense Facó, na medida em que tornou viável sua transferência como estudante de Engenharia, de Fortaleza para o Recife.
Ao saber das dificuldades que estavam existindo, procurou o diretor da Politécnica, por sinal um alvirrubro, pedindo seu apoio, desde que a transferência obedecesse aos princípios legais. Poucos dias depois, Facó era transferido, tendo sido um dos jogadores que ajudaram o Santa Cruz, em 1969, a reconciliar-se com o título de campeão estadual, do qual o Tricolor estava afastado desde 1959.
APOSTAS COM TOFINHA
Ivan Fernandes acompanhou cada passo da construção do estádio tricolor, formando um grupo, juntamente com Aristófanes de Andrade, Mariano Carneiro da Cunha e Negib Correia Lima, sempre atento à evolução das obras.
Eram comuns as apostas, geralmente em cerveja, que Aristófanes costumava fazer com a turma por duvidar talvez estrategicamente que determinado lance de arquibancada, por exemplo, estivesse pronto no tempo previsto.
– Aristófanes não ganhava uma aposta! – recorda Ivan Fernandes, com um riso de satisfação.
ANÍSIO QUERIA SABER
Esse tradicional adepto do Santa conviveu com o célebre torcedor Anísio Campelo, que comandava a torcida na época do primeiro supercampeonato, com o célebre grito de guerra “um, dois, três, quatro, cinco, seis, torcemos com prazer, queremos a vitória, nosso lema é vencer. Santa Cruz, Santa Cruz, Santa Cruz!”
Como Anísio era servente da Escola de Engenharia, Ivan procurava chegar para as aulas com alguma antecedência, pois sabia que antes de entrar na sala, obrigatoriamente seria abordado pelo chefe da torcida para falar sobre o Santa.
RECOLHIMENTO
Um momento inesquecível e ao mesmo tempo curioso foi vivido por Ivan Fernandes por ocasião da decisão do campeonato de 1957, quando o Santa Cruz, derrotando o Sport por 3x2, tornou-se supercampeão pela primeira vez. Como, na condição de torcedor, vinha sofrendo seguidas desilusões, já não suportava tanto pesadelo, tendo resolvido naquele dia não ir ao campo.
O pai de sua esposa havia alugado uma casa em Candeias e foi para lá que o desconfiado torcedor coral se dirigiu, com os familiares, procurando uma maneira de recolher-se e evitar mais sofrimento.
Na calmaria daquela praia, à época quase inabitada, estaria livre de submeter o coração a qualquer abalo. Seus planos acabaram dando errados, porque pouco tempo depois, um carro com dois casais estacionou bem perto da casa, com o rádio, na maior das alturas, ligado no jogo.
SILÊNCIO QUEBRADO
Ivan procurou levar o sentimento para longe, ouviu um grito de gol, ficou remoendo aquilo, o pensamento cada vez mais se voltando para a Ilha do Retiro, onde se desenrolava o jogo decisivo.
Até que não resistiu mais. Foi ao local onde estava o carro parado e dirigiu-se aos seus ocupantes:
– Vim aqui me isolar, não comprei jornal, não trouxe rádio, mas com esse rádio ligado é impossível.
Perguntaram-lhe por qual time torcia e diante da resposta, um dos circunstantes respondeu:
– Fique descansado, que o Santa está ganhando por 1x0.
Retirou-se e passou a acompanhar a distância, a sucessão de gols. Vibrou com o escore parcial de 3x0, mas quando, com a reação do Sport, o placar passou a ser 3x2, novamente se conteve.
VOANDO PARA O ARRUDA
Voltou ao carro e pediu desculpas por interromper o namoro dos dois casais, pois estava determinado a permanecer ali até o fim do jogo. Partida encerrada, a confirmação da conquista do supercampeonato significava o fim das agruras e um desabafo sem tamanho em cima de dez anos de amargura e decepção.
Ivan Fernandes mais do que imediatamente encerrou seu exílio voluntário, levou a família para casa e foi juntar-se à massa coral na antiga sede da Avenida Beberibe.
Fonte: Blog do Lenivaldo Aragão
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