Goleiro de 15 anos deixou campos de terra de Venturosa, no interior de Pernambuco, para ganhar títulos, sonhar mais alto e encorajar outros jovens: "Eu consegui e qualquer um pode"
Por Lafaete Vaz
Kawe com a camisa do Flamengo — Foto: Arquivo Pessoal |
De onde ele vem poucos se tornaram profissionais. Dá pra contar nos dedos o número de garotos que alcançou o sonho de ser jogador de futebol. Mais difícil ainda é encontrar algum que conseguiu chegar a um grande clube. Por isso, Kawe sabe que é um exemplo para os jovens de Venturosa, cidade de pouco mais de 17 mil habitantes, no Agreste de Pernambuco, que fica a 249 km da capital Recife.
O ano de 2020 foi difícil pra todo mundo, mas para o goleiro de 15 anos foi transformador. No mês de março ele foi convocado para a seleção brasileira sub-16 pela primeira vez e em agosto trocou o Sport pelo Flamengo. De férias, voltou para a cidade natal para descansar, matar a saudade da avó Carmelita e rever os amigos.
- Eu me considero um espelho pra rapaziada. Eu recebo muitas mensagens nas minhas redes sociais. Os meninos pedem vídeos, camisas, eu me sinto um espelho hoje, principalmente para os moleques que estão começando agora e pensam que não tem como sair daqui [Venturosa]. Eu mostrei o contrário, que existe possibilidade de tornar o sonho realidade.
Kawe no vestiário da seleção brasileira — Foto: Arquivo Pessoal
Perto dos campos de terra e do ginásio municipal onde começou a jogar, ele relembra com carinho das dificuldades.
- Me lembro que eu ia ao meio-dia treinar sozinho no campo do VEC, às vezes ia com meu pai. Eu ficava batendo bola sem ninguém. Acho que isso me ajudou muito, me deu força de vontade. Eu não tinha o apoio e a estrutura necessária na cidade, jogava nos campos de terra, cheios de pedra, mas tinha força de vontade. Na quadra eu rachava de manhã, de tarde e só parava em casa pra dormir. Eu já jogava com os meninos mais velhos.
"Sempre quis ajudar os outros por que um dia fui ajudado. Eu tento passar para as crianças que me acompanham que é possível, mesmo sendo do interior. É possível chegar na seleção brasileira, chegar num time de alto nível… Muitos desacreditam por ser de cidade pequena ou por conta da idade. Se você tiver foco, determinação e força de vontade, você consegue. Eu consegui e qualquer um também pode conseguir"
Kawe foi capitão do sub-15 do Sport — Foto: Arquivo Pessoal
Alisson? Buffon? Neuer? Cássio? A grande inspiração de Kawe Garcia não vem dos grandes times do Brasil ou da Europa, mas da própria casa. A referência de paredão é o pai e também goleiro Robson, que chegou a jogar em clubes como Porto-PE, Ypiranga-PE e Portuguesa, mas não seguiu carreira.
- Meu pai foi meu primeiro espelho e sempre vai ser. Quando pequeno eu tinha febre emocional se ficasse longe dele. Pra qualquer lugar que ele ia, eu também tinha que ir. Fui criando essa paixão e de ver ele agarrando eu senti que também tinha que fazer aquilo.
Dos jogos escolares à seleção
Após se destacar em escolinhas de bairro e boas atuações nos jogos escolares de Venturosa, pela escola municipal Cônego Emanuel Vasconcelos, Kawe disputou uma competição regional de base pelo Pesqueira-PE, no Recife. Com 12 anos, chamou atenção do Sport e foi convidado para passar duas semanas fazendo testes.
Logo no segundo dia de treinamento, foi aprovado e começou uma história de quase três anos nas categorias de base do Leão. Na Ilha do Retiro, colecionou títulos, conquistou prêmios individuais, virou capitão e foi convocado para a seleção brasileira.
- Foi muito gratificando pra mim vestir e ser campeão por um time gigante como o Sport. Só tenho gratidão por tudo que o Sport fez por mim - agradece.
Kawe durante torneio no campo do VEC em Venturosa — Foto: Arquivo Pessoal
Flamengo e sonhos
Uma nova mudança na vida de Kawe aconteceu no dia 7 de agosto de 2020. O garoto assinou o primeiro contrato com o Flamengo. Além da bagagem e das memórias, ele também levou para o Rio de Janeiro quem sempre acreditou no seu potencial: a família. O pai Robson, a mãe Lucineide, a irmã Beatriz e o irmão Keyrrison se mudaram um mês depois.
- Meus pais sempre me apoiaram, sempre estiveram do meu lado. Hoje é muito gratificante ver a mudança de vida deles. Fico feliz em ver eles com a vida que tem hoje, muito melhor que antes. Hoje posso dar esse conforto pra eles, levar para outro estado, ter eles do lado, é muito bom ter eles comigo.
Kawe ao lado do pai e da mãe — Foto: Arquivo Pessoal
A estreia com a camisa do Flamengo ainda não aconteceu, mas o garoto conta os dias para poder entrar em campo.
- Estou muito ansioso. Quero muito estrear e mostrar por que eu estou ali, agregar no grupo e cada vez mais subir de categoria, como agora estou treinando com o sub-17. Vou trabalhar mais e mais.
"Eu quero jogar no Maracanã lotado, já me imaginei jogando lá. Já tive a chance de jogar na Arena de Pernambuco cheia. Eu senti um ambiente muito agradável, me senti em casa, e imagina o Maracanã? Deve ser surreal. Tomara que chegue vacina e dê tudo certo logo"
Kawe com 9 anos e hoje, aos 15, com a camisa do Fla — Foto: Arquivo Pessoal
Pra 2021, além do sonho de jogar no Maracanã, Kawe também quer ter a chance de conhecer os ídolos Rogério Ceni e Diego Alves e assinar o primeiro contrato profissional.
- Eu sonho poder assinar meu primeiro contrato profissional esse ano e jogar. Quero mostrar por que eu estou no Flamengo. Quem sabe um dia também ir para Europa. Não tem nenhum clube específico, quero o que for melhor pra mim.
"Quero dizer a todos os meninos do interior que acreditem nos sonhos. Sonhe alto por que um dia eu era assim. Eu sonhava deitado na minha cama com uma bola do lado e dizia ao meu pai que eu ia chegar na seleção. Eu tenho muita fé, o Deus que eu tenho é muito bom. Se deu certo pra mim, pode dar certo para muitos que acreditam como eu", finalizou Kawe.
Fonte: ge
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