Caixero, um tricolor de corpo e alma

FOTO; João Caixero, Antônio Luiz Nero e Rodolfo Aguiar no centenário do Santa Cruz, em 2014




Por Lenivaldo Aragão

A confecção do livro “Santa Cruz de Corpo e Alma”, do qual participei, juntamente com José Neves Cabral e Claudemir Gomes (textos), Humberto Araújo (ilustrações) e Deusdedith Antônio (diagramação) caminhava para o fim. Coordenando tudo e atento aos menores detalhes, João Caixero de Vasconcelos Neto certo dia me avisou: – Henágio está por aí, precisamos colocá-lo no livro.
Estava claro que uma obra que acabaria se transformando numa verdadeira enciclopédia do Clube das Multidões não poderia estar desfalcada de um dos maiores jogadores do Santinha em todos os tempos.
– Domingo, o Santa Cruz joga. Chame ele pro meu camarote. Lá, vocês conversam à vontade.
Convidei Henágio, que aceitou prontamente o convite, sob uma condição:
– Eu vou, mas diga a Seu Joca, que precisa ter uma cervejinha que é para eu ficar mais solto.
O camarote do ex-presidente do Santa que acaba de nos deixar, geralmente recebia uma superlotação, com gente sentada e em pé. Lanches de sobra, com sucos, refrigerantes e uma cervejinha que um ou outro bebia moderadamente. Porém, com Henágio nas cabeceiras, o açude sangrou. Conhecendo seu gado, João Caixero preveniu-se. Estava certo. O convidado importante não chegou só, tendo acho que dois amigos, ex-jogadores, como ele. Gravei a entrevista. Missão cumprida, apenas para mim; para Caixero, não Henágio, que havia resolvido ficar de vez no Recife – terminou morrendo subitamente – passou a ser freguês dos sanduíches, macaxeira com carne e mais do que isso, do “precioso líquido”. Outros ex-jogadores corais descobriram o caminho da mina e aumentaram o cordão puxado pelo sergipano, para a satisfação do “dono da casa” e de seus habituais frequentadores, como o então presidente do Conselho Deliberativo do Santa Cruz, o professor Sílvio Ferreira.

O livro contando os caminhos trilhados pelo Santa durante mais de um século de existência, virou, na reta de chegada, uma espécie de obsessão para Joca. Um livro à sua maneira, cheio de personagens, de todas as épocas, como o homem que vendeu o primeiro “refrigerador” ao clube, quando o Santinha ainda era sediado na esquina da Av. Beberibe com a Rua Bolívar e o atual Colosso do Arruda era apenas uma porção de traços sobre uma folha de papel.
Inúmeras outras figuras aparecem, nas mais diferentes direções, como os roupeiros Luís e Zezinho, ou torcedores famosos e hilários – O Homem do Charuto, João do Caixão, Pantera, Bacalhau e muitos outros, cujos nomes ou apelidos estão registrados – artistas, escritores, jornalistas, empresários etc. Quem, a não ser João Caixero iria descobrir que Lampião, o famoso Rei do Cangaço, que mesmo enfurnado nas brenhas Sertão afora, gostava de ler jornais e se interessava pelas notícias sobre o clube do Arruda?

Com quase 1.500 páginas distribuídas em três volumes, saiu o livro, um dos dois últimos grandes serviços prestados por Caixero ao seu clube de coração – o outro foi o CT Ninho das Cobras, oficialmente denominado Presidente Rodolfo Aguiar, onde posei ao seu lado pela última vez. Caixero estava se recolhendo, tanto que já havia vendido o camarote, onde Henágio fez suas últimas farras no Mundão.

Conheci João Caixero nos anos 60, quando ele militava na FAPE – Federação Acadêmica Pernambucana de Esportes. Tratávamo-nos cordial e cerimonialmente, e só. Depois de sua entrada no Santa, inicialmente no voleibol, passamos a nos ver mais frequentemente. Com o tempo viramos amigos. Na relação entre dirigente e repórter jamais houve alguma rusga, mesmo quando ele não gostava de uma crítica. Sabia que acima de tudo estava nossa amizade.
A última vez que falei com ele foi na semana natalina, por telefone. Mostrou-se emocionado e
agradeceu minha ligação. Na véspera de Ano Novo já foi sua filha que recebeu os meus votos de um feliz 2022, uma vez que pai não pôde falar. Por motivos óbvios.
De agora em diante, os futuros historiadores terão uma fonte segura para conhecer a saga tricolor. Graças a Caixeiro e Aristófanes de Andrade. Este deu a partida com seu companheiro, todavia, logo foi tragado pela “inimiga das gentes”.



Enviar um comentário

0 Comentários