No meio da roda, o futuro ídolo tricolor conseguia ludibriar o pai

NO MUNDO DA BOLA


Por Lenivaldo Aragão

Um dos primeiros grandes ídolos, da mais do que centenária história do Santa Cruz Futebol Clube, foi Alcindo Wanderley, consagrado como Pitota. Titular nos primeiros anos de atividade do Tricolor do Arruda, sua fama logo se espalhou.
Centroavante, Pitota foi um dos artífices da célebre virada do Santa Cruz em cima do América. A Cobra Coral estava perdendo para o Periquito por 5 x 1, mas terminou ganhando a partida por 7 x 5, graças a uma mudança tática promovida pelo capitão do time, Teófilo Batista de Carvalho, conhecido por Lacraia, outro nome de expressão no limiar da saga do Clube das Multidões. No novo esquema de jogo, estabelecida por Lacraia, Pitota teve um papel preponderante, quer fazendo gol, quer deixando os companheiros, como Tiano – o mais tarde catedrático de medicina e senador Martiniano Fernandes –, em condições de marcar.
Alcindo Wanderley começou a aparecer para o futebol em 1910, em Olinda. No ano seguinte teve um braço quebrado e foi proibido de jogar. Seu pai, um advogado de conceito, queria vê-lo longe da bola. Assim, o candidato a craque passou uma época afastado do seu lazer predileto. Mas não resistiu. Logo, às escondidas, estava defendendo uma equipe chamada Tamoio.
Certa vez foi assistir a um jogo entre o Olinda e o Pernambuco, filiados à Liga Pernambucana, entidade que teve vida efêmera. Faltou um jogador no Olinda e aquele adolescente, muito conhecido por seus dotes com a bola nos pés, foi chamado para completar o time. Não se fez de rogado. Como sempre, deu um show de bola. Passou a integrar o segundo quadro do Olinda. Tudo isso sem o pai saber.
A família transferiu-se de Olinda para o Recife. Alcindo matriculou-se no Colégio Americano Batista e foi aproveitado pelo 15 de Novembro, time formado por alunos do educandário, onde estudava boa parte dos adolescentes que haviam fundado o Santa Cruz, em 3 de fevereiro de 1914. Juntou-se a eles.
Em 25 de junho, o jovem Alcindo entrava no Santa, como sócio atleta. Além do Tricolor, mais de uma vez formou no selecionado estadual. Com a camisa de Pernambuco enfrentou uma equipe inglesa e o América do Rio, na primeira temporada de um time de outro Estado no Recife. Participou da excursão do Santa Cruz a Natal, na primeira exibição de uma equipe de fora na capital do Rio Grande do Norte.
No Santa foi também diretor, tendo representado seu clube na reunião de fundação da Liga Sportiva Pernambucana, mais tarde Federação Pernambucana de Desportos e hoje Federação Pernambucana de Futebol.
Voltando à época de Pitota peladeiro, já foi dito que o pai do centroavante não queria vê-lo jogando bola. Pois é, muitas vezes aquele compenetrado cavalheiro estava chegando em casa, em Olinda, depois de um dia de serviço, e obrigatoriamente passava ao lado do campo em que a pelada corria solta. E o filho no meio. Logo, formava-se uma roda de jogadores em torno dele. Era uma espécie de muro protetor. Assim, o impetuoso atacante escapava de ser repreendido pelo pai e obrigado a deixar o jogo, o que seria um enorme castigo. Por ser de pequena estatura foi apelidado de Pitota. E por medida de segurança só era tratado pelo apelido, jamais pelo nome.
O pai ouvia e lia muitos comentários em torno de um tal de Pitota, que andava engolindo a bola nos campos olindenses. Só não sabia de quem se tratava. Somente depois de um bom tempo é que o famoso advogado veio a saber que o Pitota tão falado era simplesmente seu filho Alcindo, aquele que um dia fora proibido de jogar futebol. Achou curiosa e engraçada a farsa. Chegou à conclusão de que não tinha mais como fazer valer sua austeridade perante o filho em relação ao jogo da bola. Entregou os pontos e deixou pra lá. E o Santinha foi quem lucrou.


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